sábado, 15 de setembro de 2007

Contextualização das obras


Os meus trabalhos reflectem acerca do mundo. Misturo referências populares, da publicidade e dos desenhos animados, das notícias de guerra, mas também de questões pessoais.

Não acredito na arte desligada da realidade. Não posso deixar de afirmar que me impressiono com a quantidade de arte produzida, virada de costas para o mundo real. O momento presente não me pode nunca passar despercebido.

Acredito na pertinência da pintura e do desenho como veículos artísticos. Não procuro a validade da pintura, não a questiono, apenas a encontro. Uso a pintura porque é um meio aberto e não estanque. Quem defenda a morte dos meios riscadores em detrimento de outros meios está a ser tão tendencioso quanto cego.

O meu método de trabalho consiste na constante procura. Mantenho a mente aberta ao que se passa no mundo e no que interpreto.

Quando passo para a linguagem plástica, estou a digerir um produto já de si transferido de uma série de outros sistemas de assimilação. Portanto vejo, penso, processo e transfiro. A pintura começa por ser uma coisa simples. Trabalho até me livrar de tudo aquilo que me preocupa.

Seguidamente, um determinado trabalho é posto sob observação. Todos os dias olho e penso acerca do que realizei plasticamente e acerca das suas implicações teóricas. No entanto, continuo a processar a vida na Terra. O mais habitual é que a pintura não me surpreenda e que eu tenha distintas inquietações para transferir, que surjam novas camadas de informação. Passo então à fase de destruir parte das camadas antigas, construindo e abrindo novas possibilidades. Estes adicionados estratos de informação irrompem em face do avançar da realidade e dos meus desassossegos interiores. No âmago do pensamento, acerca do instante presente, surge a urgência de renovação do trabalho já existente.

Cada tela demora alguns meses a construir e a concluir. Das várias fases de adição de complementos, surge de alguma forma a encriptação da realidade: desperto significados nos signos picturais; junto missivas rascunhadas, palavras riscadas ou rasuradas, num constante somatório de reflexos do mundo físico que nos rodeia.

Um trabalho passa a ser uma obra completa e concluída, quando em verdade me surpreende. Aquilo que entendo por me deixar surpreender com a pintura, é que foi atingido o momento em que a obra passa ao seu estado finito. É o instante em que o resultado plástico se revela na sua totalidade e que totalmente me preenche. O verdadeiro teste, é a validade temporal. Por isso, para conseguir o seu ponto de sublimação final, a obra tem de, aos meus olhos, não perder legitimidade com o passar do tempo.

Quando o processo de depuração está terminado, a obra é subjugada à apreciação e interpretação de observadores dissemelhantes; que têm no entanto um papel de essência, idêntico ao do criador. O sistema de apreensão do espectador da obra é tão válido como criativo. Quanto mais díspar for a leitura feita pelos receptores, maior será a abrangência e a abertura das faculdades da obra. Mesmo que se distanciem dos interesses primários desta, estarão somente a incluir-se na projecção da própria intenção geradora.

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